ÉVORA E O FUTEBOL

Muitos se interrogarão como é possível que uma cidade como Évora, com uma população a rondar os setenta mil habitantes, com uma localização geográfica que lhe permite estar a pouco mais de cem quilómetros de Lisboa e a menos de setenta de Espanha, com características polarizadoras em termos regionais (é inquestionavelmente a capital de uma região que ocupa cerca de um terço do território nacional), com um dinamismo cultural apreciável , com uma intensa procura turística nacional e internacional (é considerada património mundial desde os anos oitenta), não tenha nenhum clube a disputar as competições profissionais de futebol.
Nem sempre foi assim, pois o Lusitano – tradicionalmente mais ligado às elites da região e outrora também ao poder latifundiário - permaneceu catorze anos consecutivos no principal escalão, de 1952 a 1966, chegando a classificar-se em quinto lugar e a fornecer jogadores à selecção nacional (como o guarda-redes Vital e o avançado José Pedro), enquanto que o eterno rival Juventude – mais popular entre camponeses e assalariados - no final dos anos setenta e princípio de oitenta (nos pós 25 de Abril portanto, e ainda num contexto muito marcado pela reforma agrária), chegou a estar também muito perto de ascender à primeira divisão, acesso que veio a perder por apenas um golo em 1978 (na então “liguilha” para o Académico de Viseu, na qual voltou a participar, também sem êxito, na temporada seguinte sendo suplantado pelo Rio Ave), e com uma derrota em casa frente ao Estoril na última jornada de 1981 (com o estádio Sanches de Miranda a abarrotar para a comemoração da subida).
A partir de meados da década de oitenta o panorama alterou-se substancialmente, e ambos os clubes (os principais da cidade, entre outros mais pequenos, de bairro e que disputam normalmente os distritais) foram caindo para patamares distantes do primeiro plano do futebol nacional.
As razões para isso encontram-se facilmente após uma breve reflexão sobre a região e as suas idiossincrasias económicas, geográficas e sociais.
No plano económico, Évora, embora com um rendimento per-capita bem superior (e razoavelmente bem distribuído, diga-se) ao da média da região e, por exemplo, ao da maioria dos concelhos limítrofes de Lisboa - sobretudo graças ao turismo e aos serviços, albergando uma interminável série de direcções regionais e distritais de organismos públicos e privados -, não dispõe de uma actividade empresarial de relevo, sendo uma cidade que edificou a sua matriz identitária em redor de referências culturais, históricas e artísticas (nas últimas décadas também turísticas), bem longe do arquétipo de iniciativa empresarial de outras zonas do país, designadamente no centro e norte, que normalmente sustenta, directa ou indirectamente, o desporto profissional. Em Évora há poucas empresas, e as que há não são de grande dimensão (à excepção de uma unidade industrial da Tyco) nem terão provavelmente muito a ganhar num apoio decidido e sistemático ao futebol profissional, de retorno bastante duvidoso sobretudo em tempos de crise como os que o país, no seu todo, atravessa.
Se o apoio económico não abunda, o mesmo se poderá dizer relativamente ao apoio político. As câmaras municipais da região nunca foram muito dadas, por motivos eventualmente ideológicos, a apoiar o desporto profissional numa lógica de afirmação local ou regional como a que se vê no norte e centro do país, o que em Évora ainda resulta agravado em virtude da existência de dois clubes com ambições semelhantes, a reclamarem para si idênticas fatias do, já de si pequeno, bolo orçamental que a autarquia se propõe a distribuir. A isto não será também alheio o facto de o Alentejo, com distâncias de dezenas de quilómetros entre localidades, nunca ter sido uma região onde se identificassem grandes rivalidades locais ou regionais, o que nunca favoreceu a competitividade desportiva entre as suas equipas. A população alentejana adora futebol, é do Benfica ou do Sporting (muito mais daquele que deste), até tem a Sport tv em casa e vibra semanalmente com o Chelsea, o Barça ou o Milan, mas não sente grande entusiasmo em que o seu clube ganhe ao da localidade vizinha, que nem é tão vizinha como isso, e muito menos rival. Em Évora existe também, a agravar, um certo distanciamento em redor das performances actuais dos seus clubes, fruto de um desencanto nostálgico (algo que o povo alentejano é, em si, muito dado a sentir) de tempos cada vez mais remotos em que, navegando numa estrutura futebolística ainda pré ou semi profissional, Juventude e sobretudo Lusitano se batiam com os grandes, ou pelo menos por figurarem entre eles.
Por fim, sendo esta uma região com uma muito baixa densidade populacional e, à semelhança de todo o interior do país, também algo envelhecida, nem uma aposta forte na formação poderá constituir o caminho para a saída deste complicado puzzle.
Neste panorama não se poderia esperar outra coisa que não a presença destes históricos emblemas na terceira divisão nacional, onde ainda assim disputam anualmente os lugares de promoção na sua série F (Juventude na época passada e Lusitano nesta, apenas na última jornada se despediram da hipótese de subida à II B), em estádios que raramente congregam mais de quinhentas pessoas, e têm a sua grande enchente anual quando ambos se defrontam e dão assim vida a uma rivalidade que, embora cada vez menos fratricida (há trinta anos atrás os derbys faziam parar a cidade), continua a ser a força motriz e razão de existir destes dois clubes, os “ervanários”(do verde e branco Lusitano) e os “cacaruças” (do azul e branco “rasga a roupa”, que é como quem diz Juventude).
Veremos que novidades poderá trazer o novo estádio, mas a avaliar pelo que está a acontecer no Algarve, será lícito concluir que as boas e modernas infra-estruturas estão longe de representar a alavanca desportiva esperada por quem nelas investe ou deposita a sua esperança.

9 comentários:

Anónimo disse...

Que fabuloso post LF.
Que retrato interessante e completo de uma realidade desportiva que foge do âmbito dos grandes palcos e das grandes estrelas.
Os teus posts são sempre muito bons, mas este será talvez o melhor.
Parabéns !

Anónimo disse...

Obrigado pelas tuas palavras Xinfrim.
O meu empenho é justamente para que vocês gostem.
Sobretudo acho que se pode aproveitar o futebol para com ele e através dele conhecer e/ou dar a conhecer regiões, cidades, países cujas características acabam por se reflectir na forma como vivem o desporto.
Eu aprendi geografia com o futebol, e se era dos melhores da minha escola na disciplina, era porque com 7 ou 8 anos conhecia todas as capitais da Europa e muitas do mundo, bem como as principais cidades e regiões (e até culturas), graças aos clubes, aos estádios e ao futebol.
Aprendi francês a (tentar arduamente)ler o "Onze" desde que tinha apenas 7 anos. Entre muitos outros conhecimentos que a "busca" futebolística me proporcionava.
Como fenómeno de escala planetária que põe em confronto povos, cidades, identidades, proporciona um incrível manancial de conhecimentos a quem de perto o acompanha, e que é injustamente desprezado por aqueles que, não o conhecendo, o consideram frívolo ou fútil.
Lembro-me nos magníficos artigos que "A Bola" fazia, quando as equipas ou selecções portuguesas se deslocavam ao estrangeiro, a propósito desses países ou cidades, das quais por vezes pouca coisa chegava até nós (ex: países de leste). Com eles muita coisa aprendi (pela letra de Aurélio Marcio, Alfredo Farinha, Vitor Santos, Carlos Miranda, Carlos Pinhão, João Alves da Costa etc). Neles me procurei também agora inspirar, sem qualquer pretensão de atingir a qualidade que eles proporcionavam aos leitores.
Viva o futebol !

Anónimo disse...

O grande problema do Desporto em Évora e em especial do Futebol, é a falta de apoios privados ou da CMÉ
O actual Presidente da CMÉ, ainda falou na criação de um unico clube para Évora, mas para isso acontecer, tinha de haver a extinção dos dois maiores clubes da cidade, o que não agradou aos Eborenses sócios dos dois clubes e a ideia ficou por ai
Eu penso, que se poderia amadurecer esta ideia e tentar encontrar outra solução, por exemplo, manter os dois clubes, só com formação e uma equipa amadora, de cada clube, com atletas Sub 23, os melhores, iriam para o clube profissional representativo da cidade

A CMÉ dotava a cidade de um complexo desportivo e os clubes construiam centros de formação, como este onde treina a selecção e que pertence ao Lusitano, o futebol Eborense depende sempre de uma formação estruturada e muito bem pensada, porque dinheiro nunca há

Tenho a certeza que desta maneira, poderia haver uma saida para o futebol profissional de Évora e chegar pelo menos á II liga para tentar lutar pela I liga

A ideia pode vingar, mas para isso terá de haver vontade politica da CMÉ e vontade dos investidores Alentejanos e em particular de Évora

Anónimo disse...

Obrigado pela importante colaboração do Eborense.
De facto essa poderia ser uma saída, se bem que não sei se mesmo assim haveria os necessários apoios, designadamente devido à frágil estrutura empresarial da região.
Não podemos esquecer também que cada clube tem a sua história, as suas referências os seus simbolos e...o seu património, sendo-lhes difícil colocar tudo isso em causa, em prol de uma representatividade que não seria deles.
Há também o risco de se fazer isso e depois a SAD daí resultante também não ter meios e acabar por não disputar mais que a II B, o que obviamente não valeria a pena.
Talvez uma consulta aos sócios dos dois clubes, e mesmo aos eborenses em geral, pudesse legitimar esse caminho, e proporcionar à CME o estímulo para um apoio mais sistematizado. Quem sabe num futuro próximo ?

Carlos Miranda disse...

Excelente análise, excelente post.
É de facto pena no Alentejo não se aposte no desporto. Não é só no futebol, mas no desporto em si.
Sabendo que o futebol implica um maior investimento, penso que poderiam e deveriam fazer o que algumas cidades fazem, em que apostam em modalidades como o Basket, o Voleibol, Hoquei em Patins ou o Futsal, para assim ganhar dinamismo, protagonismo no mapa do desporto em Portugal.
Veja-se Ovar com a Ovarense (campeões de Basket), Oliveira de Azemeis com a Oliveirense (sempre bem classificada em Basket e Hoquei), Barcelos (com o Hoquei), Vizela (com F.J.Antunes em Futsal), Queluz (Basket), Espinho (Volei), etc.

http://controversiasdofutebol.blogspot.com/

Anónimo disse...

De facto seria outra das saídas, e um bom posso para reabilitar o desporto alentejano..
De qualquer modo essas modalidades, de que eu gosto bastante e sou espectador assíduo no pavilhão da Luz, são também extremamente caras (uma equipa de topo de Basquete ou Hoquei custa varios milhares de contos mensalmente), e não têm o retorno publicitário (e político...) do futebol.
Essas zonas de que fala (Ovar, Barcelos etc) são muito populosas, e dispõem de um campo de recrutamento bastante extenso quer para a formação, quer em termos de adeptos. No Alentejo não é tanto assim.
Além disso há as rivalidades regionais, que no norte e centro funcionam como alavanca para o investimento no desporto de alta competição, e no Alentejo não existem.
No fundo, os problemas que o futebol tem na região, seriam comuns também a outras modalidades em que se tentasse investir.
Vamos ver o que acontece nos próximos anos, pois também não estou seguro que os modelos de investimento no futebol profissional que sustentam clubes, por exemplo, da zona do Vale do Ave, possam resistir a um novo paradigma sócio-económico.
Suponho que se tenha em breve que voltar ao amadorismo (à excepção da primeira divisão, claro), ou pelo menos a um semi-profissionalismo que não seja tão oneroso para clubes que não têm manifestamente meios de manter os generosos orçamentos que têm vindo a utilizar.
Talvez então o Alentejo e outras zonas do interior possam disputar os campeonatos com iguais armas.

Anónimo disse...

Eu acho que este probléma, não passa só pelo Alentejo, mas sim por todo o interior de Portugal

No caso de Évora, tem sempre de haver vontade politica e um apoio importante, os outros apoios vão aparecendo, mas nunca para modalidades profissionais, recordo que durante algum tempo o Juventude Sport Clube, apostou muito no Basket, com resultados significativos para uma região interior do país, pois competia nas fases finais dos campeonatos nacionais de formação e tinha uma equipa sénior que participou no campeonato nacional da II divisão lutando pelos primeiros lugares, recordo também o caso do rugby de Évora, mas como já referi só a nivel amador

No futebol, a FPF destruiu todas as rivalidades regionais, quando criou a II Liga profissional e acabou com as três Zonas da 2ª divisão, o resultado desta ideia fabulosa, foi maiores gastos para os clubes e a impossibilidade de os adeptos se deslocarem para os campos, atrás dos seus clubes, levando a uma menor receita de bilheteira, os pensadores do nosso futebol, deviam ter pensado nisto

Espero que tenham percebido o erro e voltem a criar as três zonas da 2ª divisão

SAUDAÇÕES DESPORTIVAS

Anónimo disse...

Concordo em absoluto, Eborense.
De facto a liga de honra é uma aberração, e suponho até já ter escrito sobre isso.
Foi criada para satisfazer uma clientela ávida de dominar a nova estrutura então criada, a Liga, mantendo forte influência sobre a maioria dos clubes representados.
Se houver bom senso, ou se avança para um modelo completamente diferente (tipo 10 clubes na primeira e outros tantos na segunda a quatro voltas), ou então a liga de "honra" tem os dias contados.

Anónimo disse...

Greets to the webmaster of this wonderful site! Keep up the good work. Thanks.
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