DECIDIR A FRIO

Na ressaca de três semanas terríveis para o futebol benfiquista, confesso que me é difícil expressar uma opinião que fuja à ligeireza para a qual a emoção nos remete. É assim o futebol. E são assim os adeptos que, como eu, sofrem apaixonadamente pelo seu clube.
Mas importa, neste caso, tentar estabelecer uma barreira clara entre a tristeza – comum a todos os benfiquistas, e perfeitamente natural face aos frustrantes resultados alcançados neste mês de Maio -, e o realismo com que deve ser analisado o trabalho desenvolvido ao longo de toda uma época.
O Benfica 2012-13 fez-nos sonhar. Fez-nos sonhar muito alto. Porém, devido a uma impressionante série de infelicidades, e devido, também, a alguns erros próprios e alheios, acabou sem os troféus que a qualidade do seu jogo justificava.
Se, na partida do Dragão, o pontapé de um tal Kelvin tem batido no poste, mais taça menos taça estaríamos agora em festa, e ninguém ousaria contestar os méritos daqueles que tudo fizeram para vencer. É preciso não esquecer, também, que não chegávamos a uma final europeia havia 23 anos, e não íamos ao Jamor havia oito. Somos cabeças-de-série na próxima Liga dos Campeões, e praticámos, amiúde, um futebol de altíssima qualidade, elogiado por todos, dentro e fora de fronteiras. Temos um plantel fortemente valorizado. E conseguimos no Campeonato, afinal de contas, mais pontos do que em qualquer um dos últimos 15 anos - incluindo aqueles em que fomos campeões.
É muito ténue, pois, a fronteira que separa os vencedores dos vencidos. É essa fronteira que atribui a glória a uns, deixando outros mergulhados no desalento. Não pode, todavia, ser esse exíguo fio a definir méritos e capacidades daqueles que trabalham para o sucesso, naquilo que, sendo um espectáculo, sendo um desporto, sendo até um combate, é também - e muitas vezes, principalmente – um simples jogo.
A crise que afecta muitos portugueses, e por consequência, muitos benfiquistas, deixa os ânimos mais quentes, e leva a atitudes nem sempre ponderadas. Infelizmente, também é normal que assim seja.
Cabe a quem decide triar todas essas pressões, resistir-lhes, separar o trigo do joio, ignorar estados de alma apressados, e pensar a frio naquilo que é efectivamente melhor para a estabilidade, competitividade e crescimento de um clube que, não há muitos anos atrás, ficava arredado dos títulos antes do Natal.

CAMPEONATO MIGUEL

Na antevisão à última jornada do Campeonato, tive oportunidade de dizer, na nossa Benfica TV, que para fundamentar a esperança na conquista do título, precisaria de ter a certeza de que nada de anormal se passaria no outro estádio onde se jogavam as grandes decisões. Não foi necessário esperar muito tempo para confirmar os meus piores receios.
Aos vinte minutos da partida da Mata Real, o mesmo indivíduo que na temporada passada, em Coimbra, transformara um claríssimo penálti sobre Aimar numa falta contra o Benfica, resolveu, desta vez, transformar um cartão amarelo por simulação de James Rodriguez fora da área, numa grande penalidade a favor do FC Porto, com expulsão do defesa pacense. Percebi, de imediato, que não valia a pena sonhar. A realidade mantinha-se, igual a si mesma, como há já muitos anos nos habituámos a ter de suportar.
Concluído o Campeonato, gostava, com sinceridade, de poder atribuir a perda do Título apenas ao mérito do adversário, ao cansaço dos jogadores do Benfica, ou simplesmente ao azar. Porém, ao lembrar-me de Carlos Xistra em Coimbra, de Pedro Proença na Choupana, e, sobretudo, deste Hugo Miguel em Paços de Ferreira, não sinto que o possa fazer. Este, para mim - que também tenho direito a usar alcunhas - ficará na memória como o Campeonato Miguel.
Depois de vermos fugir o Título deste modo, depois de perdermos a Liga Europa (essa sim, de forma limpa, honrada, mas meramente infeliz), resta-nos a Taça de Portugal. Não a encaro como um consolo, ou como um prémio menor. Pelo contrário, vejo-a como uma competição importante e bonita, que há muitos anos escapa ao Glorioso, e que quero fervorosamente vencer. Além de que, terminar a temporada com um troféu nas mãos, parece-me ser o mínimo que a justiça pode fazer ao brilhante futebol que a nossa grande equipa apresentou durante meses.
Esperemos que desta vez não haja Miguéis a condicionar o jogo, e que a grande festa do Jamor seja limpinha. Pois o Campeonato, depois de tanta conversa, acabou bem sujinho.

SER BENFIQUISTA

Escrevo antes da final de Amesterdão.
Não faço ideia daquilo que se passou na bela cidade holandesa, sabendo porém, de antemão, que a presença numa final da Liga Europa é, por si só, motivo de orgulho para qualquer clube, pelo que a campanha internacional desta temporada ficará necessariamente gravada na nossa história – ao menos na mesma medida em que ficou a de 1983, quando estivemos bem perto da glória.
Escrevo, todavia, depois de uma das derrotas mais cruéis dos últimos anos, consumada aos 91 minutos de uma partida que parecíamos já ter sob controlo, e que podia valer um Campeonato. É preciso dizer que ainda não o valeu, e da mesma forma que um Estoril nos fez cair das nuvens, também um Paços de Ferreira – que veste igualmente de amarelo - nos pode dar uma ajudinha que nos devolva aos céus.
Foi precisamente na difícil ressaca do FC Porto-Benfica que presenciei, e participei, numa das mais impressionantes manifestações de benfiquismo de que me recordo em tempos recentes.
Ainda a enxugar as lágrimas, e a digerir a frustração, parti para o Estádio da Luz com o objectivo de adquirir bilhetes para a festa do Jamor, que é como quem diz, para a Final da Taça de Portugal. Confesso que não esperava encontrar muitas pessoas, nem grande entusiasmo, pois o golpe sofrido na véspera havia sido duro, e não tinha passado o tempo suficiente para o luto de tão azedo momento.
A verdade é que quase me comovi ao ver o mar de gente que ali estava, triste como eu, a maioria certamente mal dormida, como eu, esperando várias horas de pé, e ao sol, mas comungando, de forma firme, daquela ardente paixão que não se consegue explicar por palavras, mas que todos sentimos lá bem no fundo da nossa alma: o benfiquismo.
Uma fila de espera é, por norma, aborrecida. Naquele domingo foi revigorante.
Já com os bilhetes na mão, fui para casa a pensar: afinal o que vale um golo de um tipo de penteado esquisito, perante esta imensidão de crença, de mística e de fé, que só o Benfica é capaz de proporcionar?

ACREDITAR

Não há que iludir a realidade: o empate frente ao Estoril foi um resultado decepcionante, que nos deixou angustiados, e que torna mais difícil o caminho que conduz ao título. Esperávamos chegar lá por uma larga avenida, mas teremos de fazer um desvio por uma estrada um pouco mais estreita. Não deixaremos, porém, de chegar ao destino.
O futebol é isto. Numa quinta-feira saímos do estádio em clima de justificada euforia, ao garantirmos presença numa final europeia, 23 anos depois da última vez em que tal aconteceu. Quatro dias volvidos saímos cabisbaixos, tristes, e com a sensação de termos desperdiçado uma oportunidade óbvia de quase garantir ali a conquista do Campeonato. Alegrias e tristezas. É precisamente o que o futebol oferece aos adeptos, e por isso cativa tanta gente com a sua magia.
Agora vamos a factos. O Benfica é líder isolado da classificação, e se vencer o próximo jogo sagra-se de imediato Campeão Nacional. Em caso de empate, deixa também o título muito bem encaminhado. Depois, na quarta-feira, em Amesterdão, poderá voltar a erguer um troféu europeu, 51 anos depois de - na mesma cidade - Eusébio e seus pares terem mostrado o Glorioso ao mundo. Dia 26, no Jamor, podemos também conquistar a Taça de Portugal, prova que nos escapa desde 2004. Ou seja, estamos, continuamos a estar, a três vitórias da melhor temporada de todos os tempos. E se nos dissessem, no início da época, que chegaríamos a esta data com tão grandes possibilidades de fazer história, tal seria suficiente para nos deixar empolgados, e ansiosos por cada um desses embates, por cada uma dessas finais.
A primeira é amanhã. Eu arriscaria a dizer que é a mais importante de todas. Depois de uma temporada brilhante, não ser Campeão seria, não só uma injustiça, como uma anormalidade. Perder no Dragão poderia também afectar o ânimo da equipa para as decisões seguintes. Por isso, estou convicto de que iremos ter em campo o melhor Benfica. E, a ser assim, as hipóteses de sucesso serão muitas. Serão todas!

PRAIA À VISTA

No momento em que esta edição chegar às bancas, já será conhecido o desfecho da Meia-Final da Liga Europa. Já saberemos se o Benfica regressou a uma Final, 23 anos depois de Viena, ou se, pelo contrário, se quedou por uma presença honrosa – que, em condições normais, será suficiente para na próxima temporada nos colocar como cabeças-de-série do sorteio da Fase de Grupos da Champions League, e como brilhantes sextos classificados no ranking da UEFA, apenas superados por Barcelona, Bayern de Munique, Real Madrid, Manchester United e Chelsea.
Independentemente do que a frente europeia nos tenha reservado, o principal objectivo da temporada (a conquista do Campeonato) está cada vez mais perto de ser atingido. Há umas semanas atrás, nestas mesmas páginas, referi ser minha convicção que cinco vitórias consecutivas seriam suficientes para, senão festejar o título, pelo menos encomendar as faixas. Essa série de cinco jogos termina justamente na próxima segunda-feira, quando, no nosso estádio, recebermos uma das grandes revelações da época: o Estoril-Praia.
Caso consigamos ultrapassar esta etapa – cuja dificuldade, para além do valor do adversário, encontrará razões no desgaste do jogo com o Fenerbahce, e de toda uma época cada vez mais longa -, entraremos no Estádio do Dragão com uma vantagem que nos põe a salvo, quer de uma noite menos conseguida, quer dos subterfúgios a que o FC Porto recorre quando vê as coisas escaparem ao seu controlo (chamem-se eles Proenças, Casagrandes ou bolas de golfe). Pelo contrário, uma escorregadela diante do Estoril deixar-nos-á à mercê de todos esses factores, podendo pois dizer-se que - segunda-feira sim - estamos perante “o” jogo do título.
Importa deste modo perceber a relevância da ocasião, e criar uma onda de apoio capaz de, a partir das bancadas, ajudar a equipa a chegar à vitória. Um estádio cheio será a força suplementar que, depois de tanto mar (como dizia Chico Buarque), nos conduzirá à terra prometida, e ao cheiroso alecrim da festa.