MAIS DO MESMO

Seria preciso recuar até 2004 para encontrarmos uma vitória do Benfica em jogo de abertura do Campeonato. Daí para cá, pese embora algumas pré-temporadas bastante prometedoras, entrámos invariavelmente com o pé esquerdo – mesmo em 2009, quando, meses depois, viríamos a conquistar o título. Ao longo destes anos, nessas partidas iniciais, sofremos muitas vezes os efeitos de arbitragens habilidosas, mas também nos deparámos, com demasiada frequência, com jogadores ainda de chinelos e toalha de praia aos ombros, esperando que as camisolas do Benfica fossem suficientes para garantir os pontos. Pode dizer-se que no jogo da Madeira as duas situações se cruzaram, pelo que o resultado acaba por nem surpreender. Um penálti sobre Lima, nos instantes finais da partida, poderia ter-nos poupado à derrota. Mas a indolência revelada pela equipa durante longos minutos também nos deixou distantes da vitória. O valor do adversário fez o resto, cumprindo-se, pois, a negra tradição. Não acredito em gatos pretos, nem em gatos brancos, pelo que tento sempre encontrar uma razão para tudo. E, neste caso, talvez o calendário das competições ajude a explicar alguma coisa. Com o mercado em aberto, com jogadores a sair e a entrar, e muitos debaixo da ombreira da porta, é impossível manter uma equipa concentrada a cem por cento. A qualquer pessoa de bom senso parece absurdo iniciar um Campeonato nestas circunstâncias, e se os poderes internacionais insistem em colocar o Futebol ao serviço dos interesses parasitários de uns quantos agentes, a Liga Portuguesa, caso quisesse, teria um bom remédio: começar o Campeonato em Setembro, reservando o mês de Agosto, por exemplo, para a Taça da Liga. O que é certo é que ninguém dá o primeiro passo nesse sentido, e o Benfica parece sentir particular dificuldade em lidar com esta situação. Até porque outros, quando a sentem, têm uma mão protectora a impedi-los de cair – bastando lembrar os penáltis que deram ao FC Porto 3 vitórias nos últimos 4 começos de época.

FACES POUCO OCULTAS

O Campeonato só agora vai começar, mas há já muito que os nossos adversários o preparam a seu jeito. Não falo de jogadores e técnicos de outros clubes, nem mesmo daqueles que estavam (ou deveriam estar) de um lado no jogo decisivo da última jornada da época passada, e estão agora confortavelmente instalados na cadeira do lado oposto. Falo antes de todo um vasto “plantel” de tribunos que, com mais ou menos oratória, com mais ou menos verborreia, insistem em falar do que não sabem, escrever sobre o que não conhecem, sempre com o fim, mais ou menos explícito, de perturbar a estabilidade do nosso Clube. Ao fim e ao cabo, os mesmos que durante anos silenciaram tudo o que - então sim - sabiam acerca dos escândalos que as escutas do processo “Apito Dourado” deixaram a nu. Desde a Final da Taça de Portugal que não param de especular. Logo nessa tarde, e nos dias que a seguiram, o veredicto foi lançado: ou Jesus, ou Cardozo! Primeiro, tentaram empurrar o nosso treinador para a porta da saída. “Não ganhou nada”, diziam, omitindo alguns dos motivos pelos quais não venceu, e esquecendo toda a valorização desportiva e financeira que implementou na equipa encarnada – que a levou, por exemplo, a um brilhante sexto lugar do ranking da UEFA. Consumada a renovação de Jorge Jesus, os focos desestabilizadores viraram-se para Tacuára. Na impossibilidade de se verem livres do técnico que relançou o Benfica para a discussão de todos os títulos, tentaram então ver-se livres daquele que é o melhor goleador benfiquista deste século. E, ao verem-no desculpar-se perante as câmaras de televisão, o desespero lançou-os numa última empreitada, a de descredibilizar esse pedido de desculpas (claro que induzido pelo Clube, ou alguém esperaria outra coisa?). É fácil percebê-los. É fácil entender porque motivo querem Jesus e Cardozo longe da Luz. Mas não podemos deixar que nos enganem. O Benfica é dirigido desde dentro, e jamais andará a reboque de comentadores televisivos ou jornalistas de duvidosa isenção.

NOVES FORA NADA

Por maior que seja o prestígio que vai granjeando, por mais pesado que seja o nome que carrega, a Eusébio Cup não deixa de ser um troféu particular, e uma ocasião para preparar as competições que se avizinham - essas sim, a doer. Obviamente, é melhor ganhá-la do que perdê-la. Mas não será menos óbvio que uma derrota nesta altura traz com ela a virtude de ajudar a perceber aquilo de que a equipa necessita, expondo uma ou outra fragilidade a tempo de ser corrigida. Nessa medida, a derrota diante do São Paulo terá até sido útil. Ficaram por exemplo patentes algumas dificuldades na finalização, e alguma falta de peso perto da área adversária. Isso levou a que uma parte dos adeptos se lembrasse de quem não estava em campo. Já aqui escrevi sobre o caso-Cardozo. Já lembrei que, nem eu, nem qualquer outra pessoa fora da estrutura do nosso futebol, tem condições para avaliar devidamente o problema, e muito menos a forma de o solucionar. Enquanto adepto, gostava que Tacuára continuasse a marcar golos no Benfica. Acho que o seu valor de mercado é substancialmente inferior à importância que tem na equipa, e até na própria história do Clube. Temo, porém, que o equilíbrio entre a sua condenável atitude no Jamor, e a necessária preservação da saúde do balneário, possa sugerir outro tipo de decisão. Uma coisa é certa: chame-se Óscar ou não, o Benfica precisa de um “Cardozo”. E tem pouco tempo para o encontrar. Pontas-de-lança eficazes são uma espécie rara, e por isso tão valorizada. Tivéssemos por cá um Lewandowski, ou um Cavani, e a coisa resolvia-se. À nossa medida, Cardozo é um jogador com características incomuns, quer no último toque, quer na capacidade física com que aguenta a pressão dos centrais adversários. Todo o modelo de jogo encarnado assenta num finalizador com aquelas especificidades, e, sem ele, o nosso futebol ofensivo corre riscos de se esterilizar. Essa é a principal lição a extrair do último fim-de-semana, e não pode deixar de pesar na balança de qualquer decisão.

UM HOMEM PARA A HISTÓRIA

Quis o destino que apenas dois dias após a inauguração do nosso Museu, desaparecesse do mundo dos vivos um dos nomes que bastante contribuiu para a riqueza nele depositada. Fernando Martins assumiu a presidência do Sport Lisboa e Benfica em 1981, e esteve ligado a um dos períodos mais importantes da história do clube. Não só pelos títulos conquistados (dois Campeonatos, três Taças e uma Supertaça, para além da presença na final da Taça UEFA), mas sobretudo pelas bases estruturais deixadas, que pouco depois permitiriam o ansiado regresso à alta-roda do futebol internacional – arredia desde meados da década de sessenta. As finais europeias de Estugarda e Viena, pese embora se situem já fora do âmbito temporal dos seus mandatos, e sem retirar mérito à equipa directiva que lhe sucedeu, tiveram também o “dedo” de Fernando Martins. Foi a sua gestão criteriosa, e sempre pautada pela defesa intransigente dos interesses da instituição, que deixou o Benfica em condições de vencer em Portugal, e de se bater com os melhores fora de portas. Foi Fernando Martins que, por exemplo, trouxe Eriksson para o Benfica, numa aposta que teve tanto de ousada como de bem sucedida. Foi Fernando Martins que transformou o antigo Estádio da Luz no maior da Europa. Foi Fernando Martins que, depois de um período relativamente incaracterístico, marcado pelo fim da Era-Eusébio, devolveu a Mística aos benfiquistas, fazendo crescer o número de sócios, levando-os para o Estádio, e apaixonando-os pela equipa. Foi com Fernando Martins na presidência que, em 1986, me tornei sócio do Clube. Embora as palavras sejam muitas vezes menores do que os Homens, quem viveu esses anos sabe bem do que falo. Infelizmente, nem todos os sucessores estiveram à altura do seu legado. Porém, dada a vitalidade que o Clube tem demonstrado nesta última década – diga-se até que com algum paralelismo face ao seu tempo -, Fernando Martins terá certamente partido tranquilo quanto ao futuro do clube que tanto amou, e ao qual tanto deu.

DESONRA

No baú das muitas memórias que o Futebol já me vai deixando, tinha da Taça de Honra da AFL uma ideia longínqua, de quando, ainda criança, vivia cada jogo como se fosse o único, e cada Dérbi como se fosse o último. Lembro-me da alegria proporcionada por uma vitória nos penáltis sobre o Sporting (1978?, 1979?), a que correspondeu um desses troféus. Aconteceu numa pré-temporada, quando as saudades do Futebol mais apertavam. Jogavam Bento, Humberto, Shéu, Chalana e Nené. Foram tempos que me ajudaram a crescer, e me ensinaram a ser benfiquista. Com o passar dos anos, entre dificuldades de calendarização, e rotatividades de plantel, a Taça de Honra foi perdendo importância e interesse, definhando progressivamente até à morte. A ideia de a recuperar pareceu-me excelente. Adoro (vencer) o Campeonato, mas também a Taça de Portugal, a Taça da Liga, e até a Supertaça. Para quem o Futebol significa festa, quanto mais competições se disputarem, melhor. E gosto de comemorar todas elas, independentemente da importância relativa de cada uma. Com transmissão televisiva em canal aberto, em estação pública e horário nobre, sem outros jogos a atrapalhar, esperava, no passado Sábado, um Dérbi mais ou menos a sério, e uma competição mais ou menos oficial, que definisse, mais ou menos, um Campeão de Lisboa. Nada disso aconteceu. A verdade é que esta Taça de Honra foi um fiasco absoluto, e envergonhou aqueles que, ingenuamente, nela depositavam alguma expectativa. Não fui ao Estoril porque não pude, e só depois me apercebi do logro em que poderia ter embarcado. Talvez a AFL não merecesse muito mais. Mas também me custa a entender porque jogámos com todos os titulares frente ao Etoile Carouge, e nos expusemos, entre suplentes e juniores, a uma desnecessária derrota perante o Sporting - no qual, francamente, já custo a distinguir a equipa B da equipa A. Gostava de reviver as tais Taças de Honra do passado. Mas, a ser assim, bem pode a prova regressar lá para 2033, que não lhe sentirei a falta.

ROLA A BOLA

Parece que foi ontem. Mas já vai para dois meses que perdemos a Taça de Portugal no Jamor, e, com ela, a possibilidade de colorir com um troféu aquela que foi uma das temporadas mais entusiasmantes da história recente do Benfica. Talvez devido a esse entusiasmo - que foi elevando a fasquia das expectativas ao longo de vários meses -, quando voltei a ver os nossos jogadores entrar em campo para os primeiros compromissos de pré-época, senti-me perante um grupo de Campeões, mesmo sem que os livros de registos os tenham inscrito como tal. Reencontrei Artur, Luisão, Matic, Enzo, Lima, Sálvio, Gaitán, e outros, não como aqueles que perderam tudo, mas sim como aqueles que quase ganharam tudo. Não como os que me fizeram chorar, mas como os que me fizeram sonhar. Épocas houve em que a frustração da derrota trazia com ela uma indómita vontade de mudança. Neste caso, mesmo sem títulos, não é esse o sentimento generalizado. Pelo contrário, a grande preocupação dos benfiquistas prende-se justamente com os profissionais que iremos ter de perder em função dos ditames do impiedoso mercado, e das necessidades de equilíbrio que os cofres exigem. Isto porque existe a noção muito clara que em dez hipotéticas temporadas semelhantes à última, só numa delas terminaríamos de mãos vazias – logo por infelicidade aquela que, entre pontapés inesperados, e golos aos 92 minutos, nos calhou em sorte... É pois com confiança e optimismo que partimos para a nova época. Sabemos que jogando o mesmo futebol, a glória voltará a andar por perto. E o azar - tanto azar…- dificilmente se repetirá. Já percebemos também que há por ali bons reforços. Falta então saber quem sai, esperando que venham a partir apenas aqueles cujo encaixe financeiro se torne absolutamente impossível de negligenciar. Parece-me não ser o caso de Óscar Cardozo, de quem espero apenas um pedido de desculpas público aos sócios, aos colegas, ao treinador e ao presidente, para podermos voltar a festejar os seus golos durante mais alguns anos.