A AMARELO

Concluído o Tour de France, aí está a Volta a Portugal. Na ausência de futebol a sério, são as bicicletas que ocupam o seu lugar.
Paisagem, aventura, esforço, cores, dramas, mitos, povo, heróis e alguns vilões, fazem do ciclismo um espectáculo maravilhoso. Parece feito de encomenda para a televisão, proporcionando longas horas de transmissão directa, conduzindo o espectador por montanhas e vales, como se ele próprio estivesse de viagem. Doping? Existe em todo o desporto profissional, e esta é certamente a modalidade mais controlada.
Enquanto amante de ciclismo, e enquanto benfiquista, não posso deixar de me associar aos muitos que sonham com o regresso do clube às estradas, mesmo sabendo quão difícil seria materializar tal sonho no imediato.
O ciclismo não vende bilhetes. Vive da publicidade, e custa dinheiro (500 mil euros/ano, para uma equipa ganhadora a nível nacional). As empresas interessadas em investir pretendem um nível de visibilidade que a marca Benfica – se a elas associada – ofuscaria. A nossa última incursão neste mundo não correu nada bem.
Creio, porém, que o Benfica carrega esta dívida para com a sua história. Ostenta uma roda no emblema, e deve grande parte da sua popularidade a nomes como José Maria Nicolau, que levavam as camisolas vermelhas até aos locais mais recônditos do país, quando nem sequer existia campeonato de futebol.
Falta pouca coisa para que o nosso Benfica seja integralmente devolvido àquilo que foi no passado. O regresso ao ciclismo poderia ser um desafio para um dos próximos mandatos de Luís Filipe Vieira. Seria a cereja no topo do bolo.


A BOM RITMO

Não dou mais importância aos jogos de preparação do que a que eles realmente têm. Constituem uma ferramenta de trabalho útil para jogadores e técnicos, mas, competitivamente, o seu interesse é reduzido, ou mesmo nulo.
Antigamente havia curiosidade em conhecer os novos jogadores e a nova equipa. Mas desde que o mercado futebolístico se transformou numa interminável feira, ao longo da qual, até dia 31 de Agosto, ninguém sabe quem fica, quem sai, ou quem entra, esta fase perdeu o pouco encanto que lhe restava.
Por isso, uma derrota em torneios particulares, por mais prestigiantes que sejam, não incomoda nada. Dispenso títulos de pré-época, e ainda recordo anos em que tudo parecia maravilhoso em Julho, para se tornar angustiante em Maio. Ultimamente tem sucedido o contrário, e não me importaria de continuar neste registo.
Não deixei, porém, de ver o jogo do último fim-de-semana. E até gostei da primeira parte, onde a base da equipa bi-campeã apareceu solta e alegre, prometendo bom futebol e vitórias. No segundo período, as substituições quebraram o ritmo, e o jogo tornou-se tristonho. Nada que preocupe.
Se para o lado direito da defesa, Sílvio e André Almeida parecem opções válidas, ainda não vi quem possa fazer de Sálvio (até Janeiro), ou de Gaitán (se a venda deste se vier a confirmar). Mais um ponta-de-lança, capaz de discutir a titularidade, também não seria demasiado, pois a época é longa. De resto, a equipa afigura-se consistente, não necessitando de grandes revoluções.

Dia 9 de Agosto as coisas serão a sério. Até lá, há que trabalhar tranquilamente, com entusiasmo e confiança.

SERENIDADE

Serenidade é talvez a palavra que melhor define o momento da pré-temporada benfiquista.
Pode parecer estranho, depois das saídas de treinador e sub-capitão para emblemas rivais. Mas percebe-se, quando se fala de um Bi-Campeão nacional.
O paradoxo desta pré-temporada é, aliás, a forma como os três principais clubes estão a lidar com as circunstâncias.
Do lado de cá, a resposta à fuga - ou traição, ou deserção, ou aquilo que lhe quisermos chamar – dos dois elementos acima referidos, não podia ter sido mais adequada. Como alguém disse, tanta calma até parece incomodar a concorrência. O Benfica, que em tempos resistiu à perda de uma figura maior como foi Eusébio, é demasiado grande para depender de figuras menores, cujo lugar na história acaba de ser apagado pelos próprios. Em Agosto, ninguém se lembrará das ausências, e a vontade de vencer poderá mesmo sair reforçada.
Na vizinhança, pós-loucura financeira em torno de um novo técnico, por entre guerras com ex-presidentes, ex-treinadores, processos disciplinares, justas causas, perdões bancários e contratos rasgados, as notícias vão apontando para sucessivos falhanços na contratação de jogadores. Ou me engano muito, ou em breve assistiremos também a uma debandada dos principais titulares.
Mais a norte, o desespero também dita leis. Com membros da direcção a contas com a justiça, a regra parece ser, contrata-se primeiro, e, quanto a dinheiros… logo se vê. Algo me diz que não vai correr bem.
Enquanto isso, no Seixal trabalha-se. Com confiança e entusiasmo. Rumo ao tri.

Pressão? Loucuras? Ficam para os outros. Nós só queremos os títulos.

TRISTE FIGURA




Apenas 40 dias decorrem entre duas imagens fortes. Primeiro, vê-se uma criatura, aos saltos, no relvado da Luz, acompanhando os cânticos dos adeptos do Benfica, na comemoração de um título. Depois, a mesma criatura, aos saltos, no relvado de Alvalade, acompanhando os cânticos dos adeptos do Sporting, como novo membro da tribo.
Benfica e Sporting são rivais há mais de um século. Em apenas 40 dias, salta-se num lado, salta-se no outro, e salta-se de um lado para o outro, como se a história não existisse, e como se não fosse a história, e a paixão do povo, a permitir que um simples treinador de futebol possa hoje auferir quatro, ou cinco, ou seis milhões de euros por ano.
Chamem-me romântico, chamem-me ingénuo, chamem-me até retrógrado. Mas este não é o futebol de que aprendi a gostar – no qual havia algum pudor, e uns quantos zeros não legitimavam todo o tipo de comportamento. O futebol resume-se à emoção, e quem dele pretender retirar essa componente, corre o risco de lá não deixar nada.
Cresci a chorar pelo Benfica. E a respeitar, também, quem chorava por outros emblemas. Não aprecio cristãos novos, e muito menos traições.
Não embarco no discurso da gratidão. Nós, que pagamos quotas, cativos, bilhetes, deslocações, e ainda compramos camisolas e cachecóis, que apanhamos chuva, sol e trânsito, para nos sentarmos no nosso lugar a sofrer pelo clube que amamos, nunca seremos devedores de nada, neste meio que se vai tornando cada vez mais indiferenciado e obscuro.
Os que nele ganham milhões, esses sim, devem a todos nós o estatuto de que desfrutam. E devem-nos, sobretudo, respeito.

MUNDO CÃO


Confesso que, aos 45 anos de idade, o mundo do futebol ainda consegue surpreender-me pela negativa.

Aquilo que me intriga é o seguinte: o que faz com que um profissional, em final de carreira, com situação financeira confortável e futuro assegurado, despedace uma imagem construída ao longo de quase uma década, ignore olimpicamente a paixão de milhões de adeptos, volte as costas à possibilidade de inscrever o nome na história junto das grandes lendas, e feche uma porta que poderia vir a abrir-se no futuro, tudo em troca de mais uns patacos no recibo de vencimento?

Não falo de um jovem com a carreira por construir. Também não falo de gente com um ou dois anos de casa, sem o vínculo emocional que só o tempo robustece. Nem de quem ganhe, vá lá, 100 mil euros por ano. Falo de alguém experiente, respeitado como símbolo de um clube, e que já aufere dez vezes aquele valor.

Trouxe aqui o tema, a outro propósito, há umas semanas atrás. Nunca é demais repetir: os montantes milionários que o futebol movimenta, e os gordos salários que jogadores e treinadores de topo recebem, devem-se, exclusivamente, à paixão dos adeptos. Um cirurgião ou um juiz não terão certamente menos responsabilidades. Só não têm quem os idolatre, nem amor clubista que lhes pague. Não perceber isto, é não perceber nada. Ignorar isto, é cuspir no próprio prato.

Profissional não pode ser sinónimo de mercenário. Não é assim em profissões menos recompensadas, pelo que jamais deveria sê-lo numa actividade que deve tudo, mas mesmo tudo, aqueles que enchem os estádios, vibram com os clubes, e choram na derrota e na vitória.

O NOSSO TREINADOR


À medida que a poeira assenta, a nação benfiquista vai-se congregando em torno do novo treinador.

Qualquer mudança traz sempre alguma ansiedade associada. Sobretudo quando parte de uma base de sucesso. Diz-se que as grandes reformas devem fazer-se na quietude do triunfo, e não no tumulto do fracasso. O certo é que a volatilidade dos tempos modernos não permite dormir sobre êxitos findos. Ela obriga a reinventar para manter o rumo. O passado respeita-se, e evoca-se, mas é o futuro que deve orientar a acção. O futuro do futebol encarnado chama-se agora Rui Vitória.

O técnico ribatejano chega ao nosso clube bastante mais jovem, e traz na bagagem um currículo bastante mais composto, que o do anterior treinador em 2009. Vem com a ambição e a energia de quem quer conquistar o mundo. Traz, ainda, um suplemento de alma importante numa actividade que vive de paixões: é benfiquista. É um dos nossos!

A humildade com que afirma que irá manter o que está bem, abona em seu favor. O discurso afirmativo, confiante e clarividente também. É um homem do futebol, mas não é um homem apenas do futebol. Acredito que, mais do que para transformar, ele vem para acrescentar.

Em Agosto, quando as competições oficiais se iniciarem, todos seremos um só. O novo treinador, um renovado plantel (certamente competitivo, e com a mesma sede de ganhar), e os mesmos adeptos de sempre – aqueles que fazem do Benfica o gigante que é, e que, com diferentes treinadores, com diferentes jogadores, vão festejando campeonatos sucessivamente. Já vamos em 34. O próximo é o 35º. E este será com Rui Vitória sentado no banco.